Cachorro desertado debaixo do viaduto - Julio Cesar Gentil

Cachorro desertado debaixo do viaduto
com um pedaço de corda no pescoço:
“tô perdido, seu moço?!”
Os carros transitam e buzinam,
de um lado para o outro,
e o cachorro, espantado:
“tô perdido, seu moço?!”
O animal desorientado, tristemente apavorado
a beirar um alvoroço, avalia:
“tô perdido, seu moço?!”
O cão foi abandonado quando balançava o rabo
no fim de um dia chuvoso, mesmo assim,
desconfiado: “tô perdido, seu moço?!”
As horas passam, a chuva aumenta
e o cachorro receoso:
“tô perdido, seu moço?!”
Ele sai esfomeado, mal cuidado,
a roer qualquer caroço,
e se pega encabulado: “tô perdido, seu moço?!”
O sonoro viaduto se perdeu no olhar confuso
como um lugar perigoso,
e o vira-lata andarilho:
“tô perdido, seu moço?!”
O cachorro, solitário, caminha
por um rumo duvidoso
a procura de uma casinha,
um dono, um carinho e um osso,
mas ainda muito assustado
(com a corda no pescoço)
duvida, o desertado:
“tô perdido, seu moço?!”

Cebola frita com manteiga - Julio Cesar Gentil

Eu vejo o fogo a trepidar no fogão,
sinto a água da torneira molhar a minha mão
e absorvo entre barulhos no ar,
o cheiro da cebola a fritar.
O poema não é isso, nem aquilo:
o café coado, a louça lavada,
uma música no rádio, um cochilo no sofá...
Realmente, cebola frita com manteiga
fica ótima no bacalhau.