Trem Mineiro - Julio Cesar Gentil

Minas: terra do ouro e do café.
Montanhas, vales, cachoeiras, colinas...
A estrada de chão na poeira da Belina,
um cheiro de roça no carro do Cristé.

Minas: pão-de-queijo com goiabada,
cachaça amarela, boteco da esquina...
O jeito mineiro das tuas meninas,
a flor no cabelo da mulher apaixonada.

Minas: porque escrever é preciso
e também é a minha sina.
Respirar-te é uma benção divina,
é dormir e acordar no Paraíso.

Minas: gabiroba, manga, jabuticaba...
Colírio na minha retina.
A árvore cheia de laranja-lima,
o campo adubado com bosta de vaca.

Minas: Três Corações, Três Pontas, Lavras,
São João Del Rey, Ouro Preto, Leopoldina,
Congonhas do Campo, Alfenas, Diamantina...
São muitas imagens para poucas palavras.

Minas: terra, matas, rios... Gente.
A água que brota no fundo da mina
(a água mais pura e mais cristalina)
tem o gosto do sangue dos inconfidentes.
 

Minas: Alphonsus, Murilo, Drummond, Milton...
Poema com música, a mente alucina!
Mistura perfeita (glicose e cafeína),
a dança do corpo e a fúria do som.

Minas: do homem que dorme em pé na praça,
na frente da fonte que o sol ilumina.
O carro que passa o acorda, buzina,
e o povo que via sorria de graça.

Minas: poesia, Paraíso, flores, beijos... Paixão!
Teu céu enluarado que a noite descortina
e o sol que amanhece por trás da neblina
fecham esse poema para abrir meu coração:

Minas... Minas! Minas... Minas! Minas... Minas!
Minas, Minas! Minas, Minas! Minas, Minas!
Minas-Minas! Minas-Minas! Minas-Minas!
Piuííí!!!... ... ...


Um Poema Bruxólico - Julio Cesar Gentil

O culto à grande mãe
é uma ciência bruxólica,
que trocou o caldeirão
pela magia tecnológica.

A Bruxa tem facebook
e leva a vida numa boa...
Não morre mais na fogueira
e nem voa na vassoura.

A velha bola de cristal
já não guarda tanto valor,
pois a Bruxa prevê o futuro
pela tela do computador.

Ela estuda matemática
e tem raciocínio lógico.
Escreve pesquisas holísticas
e traça mapas astrológicos.

O enfeitiçado grimorum
abandonou a cozinha,
e a Bruxa (que foi solitária)
já não dorme mais sozinha.

A tataraneta da Bruxa,
que era medieval,
curte música eletrônica
e tem vida social.

Ela tenta entender o mundo
através da natureza,
mas a realidade é confusa
e só lhe causa incerteza.

Hoje ela pensa ter filhos,
trabalhar... Poder ser livre.
E um dia talvez consiga
transformar seu sapo num príncipe.

Cachorro desertado debaixo do viaduto - Julio Cesar Gentil

Cachorro desertado debaixo do viaduto
com um pedaço de corda no pescoço:
“tô perdido, seu moço?!”
Os carros transitam e buzinam,
de um lado para o outro,
e o cachorro, espantado:
“tô perdido, seu moço?!”
O animal desorientado, tristemente apavorado
a beirar um alvoroço, avalia:
“tô perdido, seu moço?!”
O cão foi abandonado quando balançava o rabo
no fim de um dia chuvoso, mesmo assim,
desconfiado: “tô perdido, seu moço?!”
As horas passam, a chuva aumenta
e o cachorro receoso:
“tô perdido, seu moço?!”
Ele sai esfomeado, mal cuidado,
a roer qualquer caroço,
e se pega encabulado: “tô perdido, seu moço?!”
O sonoro viaduto se perdeu no olhar confuso
como um lugar perigoso,
e o vira-lata andarilho:
“tô perdido, seu moço?!”
O cachorro, solitário, caminha
por um rumo duvidoso
a procura de uma casinha,
um dono, um carinho e um osso,
mas ainda muito assustado
(com a corda no pescoço)
duvida, o desertado:
“tô perdido, seu moço?!”

Cebola frita com manteiga - Julio Cesar Gentil

Eu vejo o fogo a trepidar no fogão,
sinto a água da torneira molhar a minha mão
e absorvo entre barulhos no ar,
o cheiro da cebola a fritar.
O poema não é isso, nem aquilo:
o café coado, a louça lavada,
uma música no rádio, um cochilo no sofá...
Realmente, cebola frita com manteiga
fica ótima no bacalhau.

Poema do Deus cruel - Julio Cesar Gentil

Faixa de Gaza:
Palestina e Israel.
Óhhh, Deus cruel!
Relâmpagos, Tomahawk's...
Foguetes que caem do céu.
Óhhh, Deus cruel!
Mulheres que usam saia,
outras que usam véu.
Óhhh, Deus cruel!
Bodoques, atiradeiras, pedras...
Metralhadora Uzi-Israel.
Óhhh, Deus cruel!
A contradição das palavras,
o choro dos órfãos,
o lixo que fede na rua,
blindados por todos os lados,
a tristeza no olhar da viúva.
Êhhh, mundo cão:
quanto mais eu te chuto,
mais tu me abanas o rabo.