O Arremesso do Poema Boomerangue - Julio Cesar Gentil

(uma homenagem ao poeta Paulo Leminski)

Eu quero um poema atômico, um poema meteórico...
Eu quero um poema vulcânico,
um poema hídrico, aquático...
Eu quero um poema marítimo,
um poema oceânico, rítmico...
Eu quero um poema que se mova
com acrobacias de boomerangue
e a certeza múltipla de três.
Eu quero o às, a dama, o rei...
E a angústia de um jogo incerto
pelo capricho das cartas que não vieram.
Eu não quero só um poema:
eu quero três!... Quero seis!...
Eu quero um poema transitório,
efêmero, móvel, veicular...
Um poema que eu o arremesse
e ele retorne para as minhas mãos.

Se não fosse a chuva... - Julio Cesar Gentil

Eu estou em casa a ouvir o barulho da chuva
que queda em gotas primorosamente compostas
por uma mão divina que lava o meu telhado
e vaza por um filete de inspiração em minha alma.
A lágrima que escorre pelo canal/sentimento
me orienta para mais um momento de escritura,
onde a criatura é o próprio criador
e o criador é a outra criatura.

Mordiscar - Julio Cesar Gentil

Mordiscar, mordida de amor,
morder o ar...
Mastigar o beijo...
(Mordente desejo)
Morder. Beijar...
Beijar... Morder:
morder de amar!

Paladar - Julio Cesar Gentil

É através da boca que eu sinto
o etéreo gosto dos teus beijos,
a maciez veludoza dos teus seios
e o sabor amargo do absinto.
Nesse momento eu pressinto
que o teu gosto tem meu gosto
e um sorriso em teu rosto
aprova num gesto sucinto,
o gosto salivar e abissal
que jorra de uma fonte especial.

Poema Lavrado a Quatro Mãos - Julio Cesar Gentil & Juan Manuel Terenzi

O poeta é o lavrador das palavras
que germinam pela terra fértil e escura,
a brotar num sentimento que é a lavra
no canteiro do papel que reformula
o uni-verso conspirante a seu favor
do poema que aflora no papel
como abelhas que produzem o seu mel,
operárias caprichosas ao labor.
O cansaço ainda resiste, cai a noite...
A enxada marca as mãos do lavrador,
o sol forte fere as costas com o açoite
de um sussurro que anuncia a própria dor.
O sucesso da colheita traz na enxada
a vitória frente à terra cultivada.

Insuportavelmente Humano - Julio Cesar Gentil

O homem dorme de seis a oito horas diárias,
porque não consegue aturar a si próprio,
integralmente, vinte e quatro horas por dia.

Céu?... Inferno?... - Julio Cesar Gentil

A todos os meus desafetos
que se consideram 'seres de luz'
e herdeiros do 'paraíso eterno'
eu lhes digo, nesse caso,
haverei de me conformar
com as profundezas do inferno.

Foguetes à Impunidade: PAZ NO FUTEBOL! - Julio Cesar Gentil

A torcida azurra - zurra, zurra -
nunca foi hospitaleira,
só vive a chorar amarguras,
é explosiva e fogueteira.

Avaiano fogueteiro:
não exploda a minha mão!
Guarde os fogos p'ra São Pedro
e p'ra festa de São João.

O jogo é ganho em campo,
como diz o mandamento.
O resto é puro delírio
do Miguel Livramento.

Avaiano feche a matraca,
pare de se vangloriar,
pois com quase noventa anos
têm só dois na série 'A'.

Eu sou apenas um torcedor
aqui do lado continental
que defende a opinião
da grande massa estadual.

O que importa é saber torcer
com amor e com alegria,
sem esse papo de foguete,
chororô e pancadaria.

O estádio não é um ringue,
ele é a casa do torcedor.
O local onde um time mostra
toda a força do seu valor.

Avaiano vê se respeita
as torcidas catarinenses:
Chapecoense, Criciúma,
Joinville, Figueirense...

E não fique bravo comigo
porque eu não te quero mal,
este poema é só mais um grito
pela PAZ NO FUTEBOL!

Chuva na Praça XV - Julio Cesar Gentil

Ninguém passa pela chuva
nessa praça quando eu passo.
Entre os galhos da figueira,
sabiás cantantes, chorosos,
acompanham os meus passos
a perderem-se entre as pedras
que ornamentam um verde espaço.
Habitat colorido
pelo vaivém dos sanhaços
a embrenharem-se destemidos
entre os cipós, as folhas e os cachos
(que se embaraçam e desembaraçam).
Há natureza em evidência:
plantas, pedras, chuva, pássaros...
Tudo aqui é reverência
a um reino verdificado.
Só mais um momento 'flaneur'
com os passos encharcados
pela chuva que umedece
essa praça quando eu passo.

Poema de Tanta Gente - Julio Cesar Gentil

Ao longo da minha vida eu andei por lugares e conheci muita gente que já esqueci e outras tantas que lembro sempre.
Eu já andei de ônibus lotado e comi os quitutes mais medonhos pelas ruas gordurosas; eu conheci muita gente: gente com dente e gente sem dente, gente bonita por fora e gente feia por dentro, gente que ajuda gente e gente que pisa na gente.
Eu aprendi a enxergar nessa gente, o bem e o mal que é posto em mim e moldou, pouco a pouco, a forma humana do louco na gente que eu já conheci.

À Cerveja - Julio Cesar Gentil

Alva espuma de uma loura inclinação,
combustão dos gases confluídos...
Um homem te carrega ao meu pedido,
vários outros têm por ti adoração.
Despertas meus desejos absortos
quando tocas gelada a minha boca,
extasias meus sentidos com teu gosto
e atiças com loucura a fúria louca.
Envolve-me o teu brilho no vitral
das garrafas coloridas, reluzentes...
Expostas de maneira escultural
pelos bares, pelas mesas atraentes
ao convite de poder saborear
o lúpulo, o malte e a cevada,
na doçura de uma flava fonte amarga
que borbulha e borbulha... A borbulhar.
Tua espuma refrigera o meu calor,
eteriza todo o pensamento
que se abranda frente ao teu sabor
e aprecia a delícia do momento,
que nutre com sentido etilizado
a força que me deixa inebriado.

Nozes e as Ostras - Julio Cesar Gentil

Nozes e ostras conosco e outras ostras.
Ostras e nozes, prepara-se com outras nozes para nós.
Nós esperamos a sós pelo gosto crocante da noz.
A gula dentro de nós traz à mesa gordas ostras e noz.
Tudo isso para nós?!
Nobre noz a encher a madrepérola de outras ostras
que vão ao forno com queijo e, na delícia de um beijo,
são servidas para nós.