A Borboleta Leonor - Julio Cesar Gentil

Eis que se abre o casulo
e num momento de esplendor,
bate as asas a voar
a borboleta Leonor.
Ela sai do galpão escuro
pela greta da janela
e voa por cima do muro,
a borboleta amarela.
A borboleta amarela
que se chamava Leonor,
voava maravilhada
e pousava de flor em flor.
Ela batia suas asinhas
e estava feliz da vida.
Na floreira da varanda
pousou sobre a margarida.
Deu dois beijinhos na flor
e voou para outro lugar,
mas no meio do caminho
viu a flor do maracujá.
Ela ficou apaixonada
pela florzinha singela.
Deu-lhe um beijo e saiu a bater
as suas asas amarelas.
A borboleta Leonor
estava encantada com o mundo
e sentia uma alegria
despertada lá do fundo...
Do fundo do coração
da borboleta Leonor,
que voava satisfeita
de uma flor para outra flor.
Um doce perfume suave
atraiu a borboleta,
que encontrou no alpendre
um vaso de violetas.
Quando uma borboleta
pousa sobre uma flor,
ali se estabelece
uma relação de amor.
A borboleta Leonor
continuou a voar...
E sentia os aromas
de outras flores pelo ar.
Quando a Leonor repousou
sobre as pétalas da onze-horas
um suave odor perfumou
os rumos da sua estória.
Ela voava deslumbrada,
a acrobática borboleta,
e esqueceu, a desnaturada,
que é filha da mãe-natureza.
A borboleta foi a larva
que do casulo nasceu
e agora batia asas
no mundo que Deus lhe deu.
Ela voa, voou, voava...
A voadora donzela,
e refestelava pelo ar
as suas asas amarelas.
Quando achou ter ganho o céu,
foi o fim do seu caminho.
A borboleta virou alimento
no bico do passarinho
que voou de papo cheio,
p’ro conforto do seu ninho.


P.S.: O poema, “A Borboleta Leonor”, não foi criado por mim. Ele foi criado pela própria borboleta que ao sair de dentro de um galpão escuro, numa manhã luminosa de primavera, contou-me toda a sua estória enquanto esvoaçava pelo ar as suas asas amarelas.
Eu apenas escrevi o poema e dei um nome à borboleta.

Mórbido Perfume - Julio Cesar Gentil

Com os pés a pisar na triste terra
num caminho perdido, par em par,
a alma reconta o que a morte soterra
e a memória não cansa de lembrar.
Céu estrelado... Álgido luar.
Flores que brotam em pedras e troncos,
sensibilizam os seres mais broncos
e adornam um cenário tumular.
Flores lilases, lírios amarelos...
Elementos funéreos, taciturnos,
dos mortos que habitam cemitérios
vivendo a dormir um sono profundo.
Nada no mundo lhes trará a lume!
Mortos são mortos, o resto é perfume...

Poema da Plenitude Suprema - Julio Cesar Gentil

Eu quero apenas o meu melhor verso
que proclame no ar o que não foi dito
e faça brotar no fundo do íntimo
as flores do sentimento mais terno.
Danço no cosmo, meu dom é eterno...
Pretendo arrancar do tempo o saber,
guiar-me na luz da paz do meu ser...
Suar os verões, sorver os invernos.
Saborear os aromas etéreos
e conduzir o mundo por um fio,
com as mãos de quem não teme o desafio
e arrasta pela vida os seus mistérios,
mas vejo que o futuro me oferece
tudo aquilo que a minha escrita tece.

O Desmembramento da Palavra - Julio Cesar Gentil

Óh, palavra! Vagas solta...
Estimulando os teoremas
pelos sons que tu ecoas
através de tenazes fonemas.
A concepção de atuais gramáticos
indica a exclusão dos tremas,
enquanto poetas dramáticos
se desgastam em longos poemas...
E manifestam suas intenções,
transformando-as em sóbrios dilemas.
Expressam inquietações
com nefastos semantemas.
Para tentar amenizar o drama,
ou camuflar seus problemas,
eles deitam com flavas damas,
mas sonham com lindas morenas.
Acordam com a cara amassada,
com a alma rasa... Pequena...
Gritam com a boca fechada
e sofrem líricas penas.

A Piracema - Julio Cesar Gentil

A forte correnteza dessas águas
em que a vida inteira nadei contra
afogou por completo as minhas mágoas
no céu d’um novo dia que desponta.
Eu sigo a minha vida por um rio
e escapo de terríveis predadores,
carrego a solidão das minhas dores
no destino que a vida proferiu
ao peixe que conhece o seu caminho
e nada contra a força da corrente
do rio que já não é seu oponente,
mas parte da grandeza do carinho,
que afaga com domínio natural
as marcas desse mundo colossal.

O Repouso da Estrela - Julio Cesar Gentil

Onde pousam as estrelas?,
que cortam, num átimo, o céu
e deixam marcado no papel
todo o prazer que é descrevê-las.
O ter e não ter, por querê-las,
embala essa tinta taciturna
que pinga no escuro, uma a uma,
o brilho celeste da estrela,
mas fura o negro veludo
da capa que cobre o infinito
e verte, minuto a minuto,
um pouco de tudo o que sinto
ao ver no clarão da madrugada
a lua a se exibir toda estrelada.

Poema do Pobre Diabo - Julio Cesar Gentil

O diabo acende um cigarro,
absorve todo o veneno mundano,
sorri da desgraça dos seus enganos
e suja a calçada com um escarro.
Observa toda a maldade humana
e pressente que o ser chamado homem
vai deitar e rolar sobre seu nome
com mentiras febris e levianas.
Um anjo lá no céu, inebriado,
debochado, gargalhava à má sorte
da suma decadência do diabo,
um bravo que ainda resistia
e fumava o cigarro mais barato,
recostado na mágoa que vivia.

Monólogo do Homem Arrependido com o Divino Passarinho

O homem que percebeu a tristeza
no canto de um Sabiá enclausurado,
um dia, sinceramente envergonhado
perguntou ao passarinho:
- Que crimes tu cometeste
para estar preso, Passarinho?
Roubaste as migalhas de pão
ou o fubá do moinho?
Isso tudo é irrelevante,
meu amigo Passarinho.
Onde se encontra essa lei?
Em que livro ou pergaminho?
Deus é teu pai criador
e São Francisco o teu padrinho.
Blasfêmia é anular o voo
do divino Passarinho.
Alongue tuas asas ao sol,
respeitável Passarinho.
Não bebes mais água de poço
nem comes mais no cochinho.
Vais viver tua vida de artista,
cantar e fazer teus ninhos.
- Abro a porta da gaiola...
Vai-te embora Passarinho!

Dia de Votação - Julio Cesar Gentil

Naquele cinco de outubro o dia parece ter amanhecido mais cedo. Deve ter sido a ansiedade dos candidatos que fez com que o sol se precipitasse e raiasse junto com os cabos eleitorais que se multiplicavam como pragas urbanas a sujarem as ruas com centenas de milhares de panfletos que estampavam as múltiplas combinações numéricas e as caras mais estranhas que estão sempre a sorrir para o povo nas mãos daqueles que não percebem o valor que tem um voto, pois para o povo é assim: político vira santo quando impresso no "santinho".
Nesse dia tão decisivo para o futuro do país, eu tomei um café amargo para não me esquecer da nossa realidade social: baixo salário dos trabalhadores, filas nos postos de saúde, precariedade do transporte público urbano, falta de investimentos na educação, na segurança pública, etc... etc... Porque esse é o Brasil dos cabos eleitorais e dos bocas de urna, que se espalham perambulantes pelas esquinas, pelas ruas, em defesa dos seus próprios interesses.
Eu caminhava lento e atenciosamente, rumo a minha zona eleitoral. Pelo caminho, eu percebia os olhares e as falas de oportunismo que empestavam a avenida através das abordagens afoitas dos grupinhos que se acumulavam nas calçadas. Aquilo era a representação da representação, que deixou de ser representação para se tornar empresa, emprego, trampo. A eleição ainda é a grande oportunidade "profissional" na vida de muitas pessoas, talvez, a maior oportunidade. Os cabos eleitorais do dia das eleições serão os futuros cabides de emprego dentro das administrações públicas que irão inflar a máquina administrativa e causar uma longa folha de pagamento para funcionários que passam o dia inteiro a tomar cafezinho e a falar da vida alheia. Mas hoje, eles são os cabos eleitorais, os donos das ruas com seus carros adesivados e um mar de bandeiras a tremular o enfraquecimento de uma nação.
Continuo a caminhar e a cada dez metros sou abordado por mais um pedinte, dois, três... E o pior: são todos meus conhecidos. Pessoas que dividem opiniões e interesses, que brigam e não se respeitam, que querem passar mais quatro anos penduradas nas tetas do governo.
Existe também os freelances, aqueles que se encontram desempregados e arrancam dos políticos um dinheirinho durante a campanha... Não é muito, mas dá para comprar o cigarro e a cervejinha da semana. Esses não incomodam. Permanecem estáticos sobre as calçadas, com cara de quem não vê a hora de todo aquele grande teatro acabar.
Os cabos eleitorais não! Esses se matam! Falam, gesticulam, pedem e imploram. Eu conheço quase todos os cabos eleitorais aqui da minha região. Todos me abordam durante o período pré-eleitoral com aquele velho discurso de sempre... A minha resposta é a mesma: "vou analisar as propostas". Propostas?! Que propostas?
E no dia da votação lá estão eles de novo a entulharem as ruas. Eu passo e mais um conhecido cabo eleitoral me para:
- Então "meu amigo", decidiu em quem vai votar? - Claro! Vou votar no seu candidato.
Ando mais dez metros e outro cabo eleitoral me aborda:
- Olá, "companheiro", já decidiu em quem votar? – Sim, claro... Eu vou votar no seu candidato!
Vou seguindo o caminho e as abordagens continuam sempre as mesmas, e as respostas também.
Chego até o portão do colégio municipal, agora setor eleitoral, e percebo que o meu candidato não mandou nenhuma representação, ele já estava representado por mim, o seu legítimo eleitor. Eu já sabia em quem não votar muito tempo antes da eleição. O número do meu candidato estava bem guardado dentro da minha mente. Eu segui até a seção e a zona eleitoral, correspondentes ao meu título de eleitor, para exercer a minha cidadania com a intenção de ajudar a construir um país melhor para todos os brasileiros, para todas as pessoas. Votei sem hesitar. Saí do colégio eleitoral e não fui mais abordado por ninguém. O caminho de volta para casa é sempre mais rápido e tranquilo. Porém, eu votei! Votei e me diverti por retribuir aos candidatos a um cargo político, através de suas representações, as mentiras que eles iriam nos contar pelos próximos quatro anos.