Um Poema Petrolizado - Julio Cesar Gentil

O pueril aéreo que se ergue
do asfalto petrolizado
reflete o desconcerto
do mundo urbanizado
e invoca ao convívio,
numa forma passageira,
o sustento das crianças
pedintes nas sinaleiras.
Mas, esconde absorta
a diferença descomunal
que grita a desordem política
pela injustiça social.

Alumnus - Julio Cesar Gentil

Sentado na carteira de uma sala,
observo tantas letras que flutuam
sobre os olhos daqueles que relutam
a aprender tudo o que o mestre fala.
Eles riem da própria ignorância
e atiram torpedos de papel,
que refletem o lado infiel
de quem trai o saber com petulância.
Porém o mestre, esse não se cansa
de transmitir com amor tudo o que sabe
e é movido por uma esperança,
que enxerga no aluno a imensidade
e uma luz a brilhar no fim da estrada...
O futuro dispõe o tudo e o nada.

Heptassílabo Absurdo - Julio Cesar Gentil

N’um dia posso ser vários...
Em outro quase nenhum.
O mundo está lotado
de pessoas tão comuns.
Eu posso ser o poeta
do que a vida me cantou...
Já paguei muita promessa,
nada me adiantou.
Prossigo quase sem pressa...
Não sei se vou, ou não vou,
mas piso firme na terra,
deixo marcas onde estou.
Sou da Paz, detesto guerras,
pois a arma de um poeta
sempre será uma flor.

Um Poema Noturno - Julio Cesar Gentil

A noite acende as suas luzes
e os meus olhos brilham...
Eu quero a noite hoje,
hoje a noite, eu quero a noite.
Eu quero mergulhar na escuridão da noite:
sem rumo determinado,
sem encontros marcados
e ouvir a música que eu não imagino.
Entrar num bar, poder me inebriar
e até imaginar que controlo o meu destino...
Mas quando o sol surgir com a alvorada,
eu quero vomitar a madrugada,
acordar e sonhar que estou dormindo...

A Borboleta Leonor - Julio Cesar Gentil

Eis que se abre o casulo
e num momento de esplendor,
bate as asas a voar
a borboleta Leonor.
Ela sai do galpão escuro
pela greta da janela
e voa por cima do muro,
a borboleta amarela.
A borboleta amarela
que se chamava Leonor,
voava maravilhada
e pousava de flor em flor.
Ela batia suas asinhas
e estava feliz da vida.
Na floreira da varanda
pousou sobre a margarida.
Deu dois beijinhos na flor
e voou para outro lugar,
mas no meio do caminho
viu a flor do maracujá.
Ela ficou apaixonada
pela florzinha singela.
Deu-lhe um beijo e saiu a bater
as suas asas amarelas.
A borboleta Leonor
estava encantada com o mundo
e sentia uma alegria
despertada lá do fundo...
Do fundo do coração
da borboleta Leonor,
que voava satisfeita
de uma flor para outra flor.
Um doce perfume suave
atraiu a borboleta,
que encontrou no alpendre
um vaso de violetas.
Quando uma borboleta
pousa sobre uma flor,
ali se estabelece
uma relação de amor.
A borboleta Leonor
continuou a voar...
E sentia os aromas
de outras flores pelo ar.
Quando a Leonor repousou
sobre as pétalas da onze-horas
um suave odor perfumou
os rumos da sua estória.
Ela voava deslumbrada,
a acrobática borboleta,
e esqueceu, a desnaturada,
que é filha da mãe-natureza.
A borboleta foi a larva
que do casulo nasceu
e agora batia asas
no mundo que Deus lhe deu.
Ela voa, voou, voava...
A voadora donzela,
e refestelava pelo ar
as suas asas amarelas.
Quando achou ter ganho o céu,
foi o fim do seu caminho.
A borboleta virou alimento
no bico do passarinho
que voou de papo cheio,
p’ro conforto do seu ninho.


P.S.: O poema, “A Borboleta Leonor”, não foi criado por mim. Ele foi criado pela própria borboleta que ao sair de dentro de um galpão escuro, numa manhã luminosa de primavera, contou-me toda a sua estória enquanto esvoaçava pelo ar as suas asas amarelas.
Eu apenas escrevi o poema e dei um nome à borboleta.

Mórbido Perfume - Julio Cesar Gentil

Com os pés a pisar na triste terra
num caminho perdido, par em par,
a alma reconta o que a morte soterra
e a memória não cansa de lembrar.
Céu estrelado... Álgido luar.
Flores que brotam em pedras e troncos,
sensibilizam os seres mais broncos
e adornam um cenário tumular.
Flores lilases, lírios amarelos...
Elementos funéreos, taciturnos,
dos mortos que habitam cemitérios
vivendo a dormir um sono profundo.
Nada no mundo lhes trará a lume!
Mortos são mortos, o resto é perfume...

Poema da Plenitude Suprema - Julio Cesar Gentil

Eu quero apenas o meu melhor verso
que proclame no ar o que não foi dito
e faça brotar no fundo do íntimo
as flores do sentimento mais terno.
Danço no cosmo, meu dom é eterno...
Pretendo arrancar do tempo o saber,
guiar-me na luz da paz do meu ser...
Suar os verões, sorver os invernos.
Saborear os aromas etéreos
e conduzir o mundo por um fio,
com as mãos de quem não teme o desafio
e arrasta pela vida os seus mistérios,
mas vejo que o futuro me oferece
tudo aquilo que a minha escrita tece.

O Desmembramento da Palavra - Julio Cesar Gentil

Óh, palavra! Vagas solta...
Estimulando os teoremas
pelos sons que tu ecoas
através de tenazes fonemas.
A concepção de atuais gramáticos
indica a exclusão dos tremas,
enquanto poetas dramáticos
se desgastam em longos poemas...
E manifestam suas intenções,
transformando-as em sóbrios dilemas.
Expressam inquietações
com nefastos semantemas.
Para tentar amenizar o drama,
ou camuflar seus problemas,
eles deitam com flavas damas,
mas sonham com lindas morenas.
Acordam com a cara amassada,
com a alma rasa... Pequena...
Gritam com a boca fechada
e sofrem líricas penas.

A Piracema - Julio Cesar Gentil

A forte correnteza dessas águas
em que a vida inteira nadei contra
afogou por completo as minhas mágoas
no céu d’um novo dia que desponta.
Eu sigo a minha vida por um rio
e escapo de terríveis predadores,
carrego a solidão das minhas dores
no destino que a vida proferiu
ao peixe que conhece o seu caminho
e nada contra a força da corrente
do rio que já não é seu oponente,
mas parte da grandeza do carinho,
que afaga com domínio natural
as marcas desse mundo colossal.

O Repouso da Estrela - Julio Cesar Gentil

Onde pousam as estrelas?,
que cortam, num átimo, o céu
e deixam marcado no papel
todo o prazer que é descrevê-las.
O ter e não ter, por querê-las,
embala essa tinta taciturna
que pinga no escuro, uma a uma,
o brilho celeste da estrela,
mas fura o negro veludo
da capa que cobre o infinito
e verte, minuto a minuto,
um pouco de tudo o que sinto
ao ver no clarão da madrugada
a lua a se exibir toda estrelada.

Poema do Pobre Diabo - Julio Cesar Gentil

O diabo acende um cigarro,
absorve todo o veneno mundano,
sorri da desgraça dos seus enganos
e suja a calçada com um escarro.
Observa toda a maldade humana
e pressente que o ser chamado homem
vai deitar e rolar sobre seu nome
com mentiras febris e levianas.
Um anjo lá no céu, inebriado,
debochado, gargalhava à má sorte
da suma decadência do diabo,
um bravo que ainda resistia
e fumava o cigarro mais barato,
recostado na mágoa que vivia.

Monólogo do Homem Arrependido com o Divino Passarinho

O homem que percebeu a tristeza
no canto de um Sabiá enclausurado,
um dia, sinceramente envergonhado
perguntou ao passarinho:
- Que crimes tu cometeste
para estar preso, Passarinho?
Roubaste as migalhas de pão
ou o fubá do moinho?
Isso tudo é irrelevante,
meu amigo Passarinho.
Onde se encontra essa lei?
Em que livro ou pergaminho?
Deus é teu pai criador
e São Francisco o teu padrinho.
Blasfêmia é anular o voo
do divino Passarinho.
Alongue tuas asas ao sol,
respeitável Passarinho.
Não bebes mais água de poço
nem comes mais no cochinho.
Vais viver tua vida de artista,
cantar e fazer teus ninhos.
- Abro a porta da gaiola...
Vai-te embora Passarinho!

Dia de Votação - Julio Cesar Gentil

Naquele cinco de outubro o dia parece ter amanhecido mais cedo. Deve ter sido a ansiedade dos candidatos que fez com que o sol se precipitasse e raiasse junto com os cabos eleitorais que se multiplicavam como pragas urbanas a sujarem as ruas com centenas de milhares de panfletos que estampavam as múltiplas combinações numéricas e as caras mais estranhas que estão sempre a sorrir para o povo nas mãos daqueles que não percebem o valor que tem um voto, pois para o povo é assim: político vira santo quando impresso no "santinho".
Nesse dia tão decisivo para o futuro do país, eu tomei um café amargo para não me esquecer da nossa realidade social: baixo salário dos trabalhadores, filas nos postos de saúde, precariedade do transporte público urbano, falta de investimentos na educação, na segurança pública, etc... etc... Porque esse é o Brasil dos cabos eleitorais e dos bocas de urna, que se espalham perambulantes pelas esquinas, pelas ruas, em defesa dos seus próprios interesses.
Eu caminhava lento e atenciosamente, rumo a minha zona eleitoral. Pelo caminho, eu percebia os olhares e as falas de oportunismo que empestavam a avenida através das abordagens afoitas dos grupinhos que se acumulavam nas calçadas. Aquilo era a representação da representação, que deixou de ser representação para se tornar empresa, emprego, trampo. A eleição ainda é a grande oportunidade "profissional" na vida de muitas pessoas, talvez, a maior oportunidade. Os cabos eleitorais do dia das eleições serão os futuros cabides de emprego dentro das administrações públicas que irão inflar a máquina administrativa e causar uma longa folha de pagamento para funcionários que passam o dia inteiro a tomar cafezinho e a falar da vida alheia. Mas hoje, eles são os cabos eleitorais, os donos das ruas com seus carros adesivados e um mar de bandeiras a tremular o enfraquecimento de uma nação.
Continuo a caminhar e a cada dez metros sou abordado por mais um pedinte, dois, três... E o pior: são todos meus conhecidos. Pessoas que dividem opiniões e interesses, que brigam e não se respeitam, que querem passar mais quatro anos penduradas nas tetas do governo.
Existe também os freelances, aqueles que se encontram desempregados e arrancam dos políticos um dinheirinho durante a campanha... Não é muito, mas dá para comprar o cigarro e a cervejinha da semana. Esses não incomodam. Permanecem estáticos sobre as calçadas, com cara de quem não vê a hora de todo aquele grande teatro acabar.
Os cabos eleitorais não! Esses se matam! Falam, gesticulam, pedem e imploram. Eu conheço quase todos os cabos eleitorais aqui da minha região. Todos me abordam durante o período pré-eleitoral com aquele velho discurso de sempre... A minha resposta é a mesma: "vou analisar as propostas". Propostas?! Que propostas?
E no dia da votação lá estão eles de novo a entulharem as ruas. Eu passo e mais um conhecido cabo eleitoral me para:
- Então "meu amigo", decidiu em quem vai votar? - Claro! Vou votar no seu candidato.
Ando mais dez metros e outro cabo eleitoral me aborda:
- Olá, "companheiro", já decidiu em quem votar? – Sim, claro... Eu vou votar no seu candidato!
Vou seguindo o caminho e as abordagens continuam sempre as mesmas, e as respostas também.
Chego até o portão do colégio municipal, agora setor eleitoral, e percebo que o meu candidato não mandou nenhuma representação, ele já estava representado por mim, o seu legítimo eleitor. Eu já sabia em quem não votar muito tempo antes da eleição. O número do meu candidato estava bem guardado dentro da minha mente. Eu segui até a seção e a zona eleitoral, correspondentes ao meu título de eleitor, para exercer a minha cidadania com a intenção de ajudar a construir um país melhor para todos os brasileiros, para todas as pessoas. Votei sem hesitar. Saí do colégio eleitoral e não fui mais abordado por ninguém. O caminho de volta para casa é sempre mais rápido e tranquilo. Porém, eu votei! Votei e me diverti por retribuir aos candidatos a um cargo político, através de suas representações, as mentiras que eles iriam nos contar pelos próximos quatro anos.