Dia de Votação - Julio Cesar Gentil

Naquele cinco de outubro o dia parece ter amanhecido mais cedo. Deve ter sido a ansiedade dos candidatos que fez com que o sol se precipitasse e raiasse junto com os cabos eleitorais que se multiplicavam como pragas urbanas a sujarem as ruas com centenas de milhares de panfletos que estampavam as múltiplas combinações numéricas e as caras mais estranhas que estão sempre a sorrir para o povo nas mãos daqueles que não percebem o valor que tem um voto, pois para o povo é assim: político vira santo quando impresso no "santinho".
Nesse dia tão decisivo para o futuro do país, eu tomei um café amargo para não me esquecer da nossa realidade social: baixo salário dos trabalhadores, filas nos postos de saúde, precariedade do transporte público urbano, falta de investimentos na educação, na segurança pública, etc... etc... Porque esse é o Brasil dos cabos eleitorais e dos bocas de urna, que se espalham perambulantes pelas esquinas, pelas ruas, em defesa dos seus próprios interesses.
Eu caminhava lento e atenciosamente, rumo a minha zona eleitoral. Pelo caminho, eu percebia os olhares e as falas de oportunismo que empestavam a avenida através das abordagens afoitas dos grupinhos que se acumulavam nas calçadas. Aquilo era a representação da representação, que deixou de ser representação para se tornar empresa, emprego, trampo. A eleição ainda é a grande oportunidade "profissional" na vida de muitas pessoas, talvez, a maior oportunidade. Os cabos eleitorais do dia das eleições serão os futuros cabides de emprego dentro das administrações públicas que irão inflar a máquina administrativa e causar uma longa folha de pagamento para funcionários que passam o dia inteiro a tomar cafezinho e a falar da vida alheia. Mas hoje, eles são os cabos eleitorais, os donos das ruas com seus carros adesivados e um mar de bandeiras a tremular o enfraquecimento de uma nação.
Continuo a caminhar e a cada dez metros sou abordado por mais um pedinte, dois, três... E o pior: são todos meus conhecidos. Pessoas que dividem opiniões e interesses, que brigam e não se respeitam, que querem passar mais quatro anos penduradas nas tetas do governo.
Existe também os freelances, aqueles que se encontram desempregados e arrancam dos políticos um dinheirinho durante a campanha... Não é muito, mas dá para comprar o cigarro e a cervejinha da semana. Esses não incomodam. Permanecem estáticos sobre as calçadas, com cara de quem não vê a hora de todo aquele grande teatro acabar.
Os cabos eleitorais não! Esses se matam! Falam, gesticulam, pedem e imploram. Eu conheço quase todos os cabos eleitorais aqui da minha região. Todos me abordam durante o período pré-eleitoral com aquele velho discurso de sempre... A minha resposta é a mesma: "vou analisar as propostas". Propostas?! Que propostas?
E no dia da votação lá estão eles de novo a entulharem as ruas. Eu passo e mais um conhecido cabo eleitoral me para:
- Então "meu amigo", decidiu em quem vai votar? - Claro! Vou votar no seu candidato.
Ando mais dez metros e outro cabo eleitoral me aborda:
- Olá, "companheiro", já decidiu em quem votar? – Sim, claro... Eu vou votar no seu candidato!
Vou seguindo o caminho e as abordagens continuam sempre as mesmas, e as respostas também.
Chego até o portão do colégio municipal, agora setor eleitoral, e percebo que o meu candidato não mandou nenhuma representação, ele já estava representado por mim, o seu legítimo eleitor. Eu já sabia em quem não votar muito tempo antes da eleição. O número do meu candidato estava bem guardado dentro da minha mente. Eu segui até a seção e a zona eleitoral, correspondentes ao meu título de eleitor, para exercer a minha cidadania com a intenção de ajudar a construir um país melhor para todos os brasileiros, para todas as pessoas. Votei sem hesitar. Saí do colégio eleitoral e não fui mais abordado por ninguém. O caminho de volta para casa é sempre mais rápido e tranquilo. Porém, eu votei! Votei e me diverti por retribuir aos candidatos a um cargo político, através de suas representações, as mentiras que eles iriam nos contar pelos próximos quatro anos.

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